14 de fevereiro de 2014

Amarelo deserto



AMARELO DESERTO

Assim que o dia aconteceu
Lá no alto dos abandonados,
Dava pra ver o tempo ruim
No firmamento resoluto.
Assim começam os dias
De trabalho, de
Sacrifício
Deste povo sem nome, sem
posse.

Enfim,
De todos que há na serra
Laboriosa dos abandonados,
Não há ninguém em lugar algum
Que poderia esquecer-se
Do sorriso quente ou do choro
Coagido da
Menininha dos
Costa e Silva.

Amarelo deserto
Eram seus cachos
Doridos, dourados...
Vida que vai na cela do desemprego,
Da miséria e do
Descaso.
E eu esqueço
Ao julgar
Que quem ama
Não come.

Vem me fazer e diz, porque me engano
Tu que te vai nos confins
Do contrabando:
A quem devemos culpar
Pelo desamor?
E não sabes voltar,
E o tempo

Passou...

27 de janeiro de 2014

Coração de Ferro

Coração de Ferro


      Ele veio como uma quimera na doce manhã de um homem. E eu que tão pouco sabia sobre a vida. E ele que tantas pessoas já havia transportado. Sua garganta apitava

   Com uma urgência vaporosa,

   O meu nome. Quando embarquei, pouco me disse em palavras sobre o céu e o inferno. Mostrou-me ambos, entretanto, através de suas janelas

   Embaçadas.

   Vi através delas um mundo nunca antes visto por meus olhos incipientes. Vi os campos de uva e os bosques e as sebes. Vi os rios que cortam a terra e vi crianças brincando de se molhar.

   E amei e odiei com a mesma absurda intensidade

   O quão magnífico as coisas podem tornar-se sob as lentes da distância...

   - Isso era o céu.

   A fome, por exemplo, que havia no topo da colina (onde uma comunidade inteira de desabrigados era OBRIGADA a suportar a sua própria falta de sorte) - era o inferno.

   E ele me mostrou o inferno com tanta crueza que cheguei a declara-lo culpado pelas coisas que de mal vi. “Oh, o quão terrível és, tu que tens apenas um punhado de carvão como coração, e é todo de ferro!” E, contudo, se de ferro não fosse, como seria possível para ele transportar-me?

   Como não bastasse, mostrou-me ainda mais. E, conquanto foram meus olhos que viram, e apenas eles, não poderia eu descrever aqui todas as coisas que tanto me impressionaram.

   Eu cheguei inclusive a dormir em seu colo – uma hora tranquila, histórica, na manhã de um homem. E foi certamente quente, ainda que tudo balançasse justamente por ele ser tão inconstante, tão volátil e tão veloz.

    E eis que, por fim, ele me abandona nesse lugar estranho. É meio-dia e um sol insólito refulgia no céu. E tudo isso me deixa em uma grande incerteza sobre as coisas do mundo.

   Vê-lo afastar-se assim, deixando um breve rastro de fumaça no vento...

   Sobretudo tentar agarrar essa fumaça que se desfaz em memória...

   É injusto e cruel trazer o meio-dia à vida de um homem para então abandona-lo na Estação, sozinho. À manhã, a Estação é calma e confortante, e é bem feito marulhar nela.

   À tarde, porém, estar estacionado é um estorvo.

   Ainda sou uma criança, embora o sol esteja alto em minha vida. E ainda tenho medo, embora minhas pernas estejam seguras. Por isso, é lícito que eu te pergunte apenas isso (contrariando, assim, a regra geral de que a metalinguagem é absurda no amor):

   Se não pretendia acompanhar-me para sempre por estes espaços alcóolicos, insanos, descabidos e invulneráveis...

   Por que não me avisaste, minha querida quimera de ferro, que tua passagem era só de ida? Poderias tê-lo feito, apesar de que

   Eu iria. Ainda que me tivesse sido avisado.    


5 de janeiro de 2014

Amar é



 Amar é

Amar é afoguear-se em
Um mar de alegria. O mar
Egeu - E a mar
Esia

Em brisa, me confessam

Que se a maré sobe e o dia
Acaba, é porque algo
Existe.

Tê-la seria como
Ser uma pedra e tentar não sê-la,
Nenhuma outra senão a sua.

Mas amar é afogar-se em
Um mar de antagonia. O mar
Foi – e amar
É

Como a mar
É.




Lucas de F. R. Altmicks

7 de novembro de 2013

Ruínas


Ruínas


   Bem cedo, e nós contornávamos a colina em direção ao mar. O sol brilhava um pouco. E você me perguntaria em descrença: “naquele tempo, o que há de amor que se possa querer traduzir”? Quase

   Nada. Da infância, pouco sei dos romances, estes que me vieram somente na fase adulta, sedentos, ardilosos... Quase nada.

   Por outro lado, atrás da colina havia um grande oceano abaulando o campo. E nesse campo sobreviveram colunas de pedra, retalhos de muros, de um antigo sobrado que o tempo ou o rancor destruiu. Bem cedo, e nós contornávamos a colina em direção àquelas ruinas, o sol que transluzia em um céu sem nuvens. E você me

  Perguntaria:

   “Edu, vamos brincar de que hoje”?

   E eu: genitor de monarquias, a tecer longas odes aos bosques e às fadas. E fazer de você companheira fiel das minhas aventuras. E por ter os joelhos cobertos de lama, e por ter arranhado as bochechas nos galhos da pitangueira, e por me olhar de maneira tão sincera, esquecer

    Que você era, antes de uma exímia espadachim, um romance.

    Investir uma quantidade estúpida de domingos em uma vida imaginária. Pensando: o que é sério nunca haverá de penetrar

   Estes momentos de insanidade. Mas o que é ser sério, Elga? Seu nome lembra a mim coisas estúpidas, como deitar-se na grama de um sobrado abandonado e encarar um azul estúpido ao seu lado. Como se pode amar algo tão estúpido? Sobretudo, como

   Entendê-la?

   Pergunto-me, ainda: porque amamos sempre o que está distante? Uma menina, talvez, que sequer exista?

   Bem cedo, acompanhar-te em direção ao sobrado. Brincar de uma porção de coisas. E depois tomar banho de mar.

   Porque o amor é responsabilidade demais. Porque é parnasiano demais, porque é sério demais, porque é tenso demais, eu sangro sob seu vício. Muito mais fácil seria amar o que é fácil, ou o que nos agrada – como daquela vez em que brincamos de dom Quixote. Mas você bem o sabe

   Que isso é estúpido. Ah, Elga, por que

   Pensamos tanto em coisas sérias?


5 de junho de 2013

O Último Minuto Da Testemunha



O ultimo minuto da testemunha

   Eu não vi a bala consumar coisa alguma. Ouvi apenas o grito engasgado, escutei tão somente o sangue marulhar na garganta desesperada. Nem um gemido a mais que isso. Nenhum sinal da morte, embora visse as marcas de seu batom róseo no corpo distendido. Nenhuma diferença entre o homem de outrora e o cadáver deste instante.

   Conjecturo a fuga; logo desisto. Não há rota alguma que prive meu tórax da bala. Estive muito perto de onde ninguém deveria estar; vi e ouvi um capitulo que deveria ocultar-se de tudo e de todos, e ser tão somente manchete no dia seguinte, se por sorte achassem o corpo.

   E se, ainda por sorte, tivesse eu pego a rua adjacente? Eu imagino: amanhã iria ler esta morte e me compadecer. Reclamaria, talvez, de como a capital está violenta ultimamente. De qualquer modo, não sentiria a despresença agonizante da morte; de qualquer modo, não tremeria ante a proximidade infame de seu vislumbre. Oh, ser-me-ia tão bom...

   Os bandidos me cercam. Imploro, mas me falta esperança no clamor. Como antes dito, a morte impende; brota de mim, então, o íntimo desejo de descobri-la, de ser objeto de seu ofício. Seria, talvez, eu um covarde? Possivelmente. Entretanto, que mais posso fazer, senão especular a minha forma póstuma, senão imaginar se serei realmente algo ou se hei de desvanecer no vazio?

   Em meu peito, flameja uma ansiedade por transcender à hora. Trocar, quiçá, a permanência científica do tempo pelo absurdo atemporal do infinito.

   Eles partem-me as juntas, eu tombo de joelhos. Um beijo incólume do cano na nuca.

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11 de maio de 2013

Programa das seis




PROGRAMA DAS SEIS

Bem vindos a mais um programa de fim de tarde.
Aqui quem vos fala é a Chuva.
Estarei com você durante as próximas
12 horas,
Chispando
Lentamente
Na janela de seu automóvel.

E depois, ao pisares em casa, estarei
Pingando. Nas calhas, no asfalto, na rua
Shhhhhhhhhhh
Você me pedirá descanso
E eu, ordená-lo-ei
Silêncio.
São exatamente seis da noite. Agora,
Informações sobre o trânsito:

Carreta
Perde o controle e
Espanca mulher e filha.

Você pôde ouvir?
Os vasos
Se quebrando
Na parede oposta, e você
Deitado, em sua cama
A me escutar.

Política:

Solidão foi decretada
Estado absoluto do indivíduo metropolitano
E você
O sente, na pele, como
Uma agulha funda, um
Pensamento fundo.

Economia:

Não tens mais dinheiro
Entretanto, isto não te preocupa;

Apenas te torna
Um pouco mais
Vazio.

E para finalizar, conselhos amorosos
Pelo honorável Sr. Vento:

Findarás
Sozinho.

6 de maio de 2013

Visita Noturna



VISITA NOTURNA

Ainda que finde o mundo
Tome, amigo, o pão
Unte-o e asse-o
Porque virei com fome.

À noite, virei
Com a tortuosa, maior
Fome do mundo

De exprimir o inexpressável.

Amigo, porque te quero
Eu tenho fome; toma
O pão ungido e assado
Põe na mesa; porque,

Hoje, ainda que o mundo finde
Perguntarei a ti, de frente
Depois de um dia cansado,
Em meio-caos noturno,

Amigo, por que
Nós somos dois, e não
Uma idéia feliz, apenas,
Pairando no espaço?

Por que
Ainda que as manhãs sejam nossas
O meu sol e o seu são
Duas fráguas distintas?

Amigo, toma o pão
Lambuza-o de manteiga
Fosforiza-o no fogo
Porque
Hoje
Eu quero ter seus olhos
Sua boca, sua
Garganta

 E com ela comer o pão,
Untar minha vida à sua
E tornar-me, assim, um pouco menos
Sozinho.