Coração de Ferro
Ele veio como uma quimera na doce manhã de
um homem. E eu que tão pouco sabia sobre a vida. E ele que tantas pessoas já
havia transportado. Sua garganta apitava
Com uma urgência
vaporosa,
O meu nome. Quando
embarquei, pouco me disse em palavras sobre o céu e o inferno. Mostrou-me
ambos, entretanto, através de suas janelas
Embaçadas.
Vi através delas um
mundo nunca antes visto por meus olhos incipientes. Vi os campos de uva e os
bosques e as sebes. Vi os rios que cortam a terra e vi crianças brincando de se
molhar.
E amei e odiei com a
mesma absurda intensidade
O quão magnífico as
coisas podem tornar-se sob as lentes da distância...
- Isso era o céu.
A fome, por
exemplo, que havia no topo da colina (onde uma comunidade inteira de
desabrigados era OBRIGADA a suportar a sua própria falta de sorte) - era o
inferno.
E ele me mostrou o
inferno com tanta crueza que cheguei a declara-lo culpado pelas coisas que de
mal vi. “Oh, o quão terrível és, tu que tens apenas um punhado de carvão
como coração, e é todo de ferro!” E, contudo, se de ferro não fosse, como seria
possível para ele transportar-me?
Como não bastasse, mostrou-me
ainda mais. E, conquanto foram meus olhos que viram, e apenas eles, não poderia
eu descrever aqui todas as coisas que tanto me impressionaram.
Eu cheguei
inclusive a dormir em seu colo – uma hora tranquila, histórica, na manhã de um
homem. E foi certamente quente, ainda que tudo balançasse justamente por ele
ser tão inconstante, tão volátil e tão veloz.
E eis que, por
fim, ele me abandona nesse lugar estranho. É meio-dia e um sol insólito
refulgia no céu. E tudo isso me deixa em uma grande incerteza sobre as coisas
do mundo.
Vê-lo afastar-se
assim, deixando um breve rastro de fumaça no vento...
Sobretudo tentar
agarrar essa fumaça que se desfaz em memória...
É injusto e cruel
trazer o meio-dia à vida de um homem para então abandona-lo na Estação,
sozinho. À manhã, a Estação é calma e confortante, e é bem feito marulhar nela.
À tarde, porém,
estar estacionado é um estorvo.
Ainda sou uma
criança, embora o sol esteja alto em minha vida. E ainda tenho medo, embora
minhas pernas estejam seguras. Por isso, é lícito que eu te pergunte apenas
isso (contrariando, assim, a regra geral de que a metalinguagem é absurda no
amor):
Se não pretendia acompanhar-me
para sempre por estes espaços alcóolicos, insanos, descabidos e invulneráveis...
Por que não me
avisaste, minha querida quimera de ferro, que tua passagem era só de ida?
Poderias tê-lo feito, apesar de que
Eu iria. Ainda que
me tivesse sido avisado.